Poderia haver lugar melhor para uma festa literária? Diria que não.
Já há quem proclame por aí que a Flip deu filhotes e por isso já não é mais a melhor, embora ainda seja a maior.
Já há quem proclame por aí que a Flip deu filhotes e por isso já não é mais a melhor, embora ainda seja a maior.
Como conheço muito bem Paraty e suas peculiaridades, posso dizer que o evento e a cidade se completam. Parece que foram feitas mesmo uma para a outra.
Cinco dias de festa e eu gostaria de detalhar cada um deles, mas é impossível. Portanto, como sempre faço, anotei algumas impressões para registrar aqui.
Abaixo, o que vi e senti durante a 10ª Festa Literária Internacional de Paraty, que este ano homenageou Carlos Drummond de Andrade.
- A infraestrutura da Flip melhora a cada ano. Embora os saudosistas lamentem a superlotação de hoje, comparada ao clima intimista da primeira, em minha opinião não se faz um evento deste porte para ser intimista. Então, que lote, mas com organização. E isto não falta na Flip.
- Respeito com o público e com os próprios convidados. É digna de nota e de elogios a pontualidade com que são realizadas as mesas de debates da programação principal. Todas começam no horário marcado e terminam no tempo previsto. Desta forma, o público consegue se organizar nos intervalos para lanche, almoço e outras atividades.
- Outro ponto muito elogiado este ano, pelo menos pelas mulheres, foi em relação aos banheiros. Um container maior abrigava mais gabinetes, três lavatórios e ainda por cima era tudo razoavelmente limpo (claro que não dá pra exigir muito num evento tão grande, né?).
- A lua cheia foi um presente e participante especial na abertura da Flip. Além dela, tivemos os Cirandeiros de Tarituba e Lenine, com sua turnê “Chão”. Só mesmo na Flip e em Paraty um show cult consegue agradar milhares de pessoas ao mesmo tempo. Bom demais.
- De todas as mesas de debates que pude assistir, nota dez para “Drummond - o poeta moderno”, com Alcides Villaça e Antônio Carlos Secchin, mediada por Flávio Moura. Deveria ter sido a mesa de abertura da festa, tamanha a qualidade do bate-papo. Após as leituras de “O elefante”, por Villaça, e de “Áporo”, por Secchin, seguiu-se uma exegese dos dois poemas, que só poderia mesmo ser feita por dois acadêmicos de porte, estudiosos e apaixonados pela obra de Drummond. “Ler uma poesia e achar bonita é muito pouco. É preciso conhecer a profunda pesquisa que o autor faz até o que imagina virar versos”, disse Secchin sobre a explicação surpreendente das quatro estrofes de “Áporo”.
- A mesa “Ficção e história”, com Javier Cercas e Juan Gabriel Vásquez, mediada por Ángel Gurria-Quintana, só não foi um perfeito desastre porque o público é educado e persistente. A tradução simultânea para quem assistia da Tenda do Telão não passou de sofrível. Não perdemos tudo porque o castelhano de Vásquez é facilmente compreensível por brasileiros. Do que conseguimos acompanhar de Cercas, um discurso realmente literário e muito bem humorado.
- Adorável o papo entre Paloma Vidal e Teju Cole, com a mediação de João Paulo Cuenca, na mesa “Exílio e flânerie”. Era visível o nervosismo dos três. Cuenca chegou a ser alertado pelo público para falar mais devagar na apresentação dos convidados, além de estalar sonoramente os dedos enquanto Paloma lia um trecho do livro dela. Ela, por sua vez, não conseguia vencer o tremor nas mãos. Desta mesa também retirei falas interessantes:
“A gente escreve para gostar do mundo e para gostar da gente também. Eu, particularmente, se não escrevesse, me acharia insuportável.” [Paloma]
“Escrever pode ser uma felicidade e também uma tristeza. Pode ser uma tristeza, por exemplo, escrever mil palavras e quando voltar pra ler o que foi feito descobrir que você não é ¼ do bom escritor que pensava que era.” [Cole]
- Incrível como tem gente que paga para assistir às mesas e dorme profundamente. Está fazendo o quê lá? Aliás, tem um bocado de desavisados que circula pela Flip sem saber o que está fazendo na cidade.
- Por falar no povo que circula por lá, o público marcante da Flip 2012 foi da faixa etária acima dos 40 anos. Claro que se via por Paraty a galera adolescente, os jovens, mas a massa principal era formada mesmo pelos, digamos, mais experientes.
- Essa foi a Flip do chapéu. Com o sol escaldante que fez de quarta a sábado (domingo fechou geral), quem não tinha o seu comprou lá mesmo na cidade. O resultado foi um festival de tipos, estilos, cores e tamanhos. Mas só durante o dia, porque à noite eram boinas e gorros. Friozinho bom.
- Aquele nordestino continua lá, oferecendo sua obra à frente da Tenda dos Autores. E a imprensa continua achando que ele é novidade. Aff!
- Roberto DaMatta deu seu show na mesa “Cidade e Democracia”, que dividiu com Suketu Mehta no sábado de manhã. A mediação foi de Guilherme Wisnik. De todas as suas falas, a melhor que tirei: “Não é a desigualdade que incomoda. A possibilidade de igualdade é que incomoda o cidadão.” Sábias palavras. Esse aí conhece gente.
- O arroz de festa da Flip 2012 chama-se Fabrício Carpinejar. Encontrei-o pela primeira vez na livraria, na quinta de manhã, e não parei mais de encontrá-lo. Estava em todas. Super simpático e muito à vontade.
- Palavras marcantes de Dulce Maria Cardoso, na mesa “Em família”, no sábado à tarde:
“O amor provoca a dependência mais tirânica dentro de uma família.”
“A família deve funcionar sempre como uma casa; não como uma prisão.”
“A família deve funcionar sempre como uma casa; não como uma prisão.”
Dulce dividiu o debate com João Anzanello Carrascoza e Zuenir Ventura. Este nos brindou com ótimos trechos do seu livro, “Sagrada família”, e arrancou muitas risadas do público com frases do tipo: “Família unida, sim; reunida, jamais.”.
- Logo após o debate “Em família”, os três autores foram para a mesa de autógrafos, onde Zuenir Ventura atraiu sozinho a atenção dos leitores e só conseguiu sair duas horas depois. Dulce e Carrascoza não despertaram o mesmo interesse e saíram bem antes. Meus cumprimentos a este espirituoso, simpático e bem humorado jornalista. Em tempo: não posso deixar de registrar que meu filho foi o perseverante último da fila. Apaixonou-se pelas falas de Zuenir, cismou de comprar o livro e topou a aventura de encarar a longa espera por uma dedicatória do autor.
- A leitura de poemas Drummond na abertura de todas as mesas foi um diferencial. Ouvimos poemas gravados na voz do próprio Drummond, como por autores convidados. Muito bonito.
- Para encerrar minha festa pessoal, nada como me deliciar com a culinária de Paraty, num domingo frio. Na Bodega do Poeta saboreamos um almoço especial, preparado pela chef Rosana Brito: peixe inteiro grelhado, ao molho de alecrim, alho, limão e azeite, acompanhado de arroz branco, legumes sauté, farofa de banana da terra e pirão. Aplausos para a chef!
- A direção da Flip informou que ao todo foram 135 eventos realizados durante a festa e um público recorde de cerca de 25 mil pessoas, quase 80% da população de Paraty, segundo o diretor Mauro Munhoz. Pelas mídias sociais, estima-se que 70 mil pessoas foram alcançadas. Está confirmada para 2013 a permanência de Miguel Conde na curadoria.
- Muita gente que conheço se lamentou por não ter conseguido se deslocar até Paraty, tanto pra ficar como pra passar um dia. É importante saber que para reservar pousada para a Flip é preciso fazê-lo com muita antecedência; eu reservei a minha logo depois da Semana Santa. Vagas de última hora são encontradas, mas é quase impossível. Portanto, se você tem intenção de ir à Flip 2013, meu conselho é que comece a se organizar já.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/entrementes/2012/07/flip-e-paraty-uma-combinacao-mais-que-perfeita.html#ixzz20Vso9c8M
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