“Descrude” do terreno convicto em que tem agrilhoados os seus ideais e mergulhe de braços abertos a partir de uma plataforma petrolífera, num oceano limpo de velhas ideias, para pôr o mundo nos eixos do caminho do paraíso. Aqui na Terra ou, mais propriamente, no mar.
© András Gyõrfi, The Swimming City (Creative Commons Attribution License).
O Principado do Mónaco, na Riviera Francesa, consegue albergar mais de 30 mil pessoas em 2Km2. A Cidade do Vaticano, com os seus 0,4 Km2 e cerca de 800 habitantes, é o centro espiritual de cerca de um bilião de católicos e o menor estado do mundo. Bem… parece viável e apetecível habitar os 10 Km2 de uma plataforma petrolífera, sempre com vista para o mar!
Winston Churchill disse, num discurso na Câmara dos Comuns, em 1947, que “a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”. Ora, o mundo ocidental cavalga, com uma “febre da razão” e com o estandarte dos seus ideais em punho, os territórios do mundo infiéis à “velha” forma de governação, numa tentativa de os evangelizar politicamente.
O zeitgeist, ou o “espírito do tempo”, vislumbra uma crise do sistema político. O que se denota cada vez mais, e principalmente nesta era em que a informação “goteja” pela internet, transparecendo (também ela) a dura realidade da democracia e regurgitando à luz o fosso profundo das desigualdades desta sociedade contemporânea, “espetacular” e distópica; o que se denota cada vez mais, dizia, é a insatisfação generalizada com o funcionamento deste sistema de valores. A governação está desgovernada, as pessoas usam máscaras porque têm medo de mostrar a cara a um regime que as proíbe de proibir as proibições. É tempo de repensar (tempo de agir) os tempos de mudança. O fascismo, o absolutismo, a democracia, o comunismo estão démodé. Urge criar novas formas de ordenar (não ordenhar) a sociedade, e desta vez com liberdade a sério. Urge criar novas plataformas de organização.
© András Gyõrfi, The Swimming City (Creative Commons Attribution License).
© András Gyõrfi, The Swimming City (Creative Commons Attribution License).
Talvez por uma coincidência incrível, onde se estão a pensar experimentar novos constructos sociais e novas formas de organização (governação parece-me inexato) é precisamente por cima de um dos símbolos do desgastado capitalismo, um dos símbolos da lamacenta noite escura em que mergulhou a humanidade nos últimos séculos, um dos símbolos da podridão desenfreada com que pretensamente evoluímos: as plataformas petrolíferas.
Vamos agora tirar este negrume viscoso do texto, calar este “
Velho do Restelo” e tentar acompanhar a paleta alegre e esperançosa das belas ilustrações que povoam este artigo. Porque não é o fim do mundo, se começarmos já a navegar.
© Emerson Stepp, Oasis Of The Seas (Creative Commons Attribution License).
© Marko Jarvela, SESU (Creative Commons Attribution License).
O conceito de
Seasteading não é novo – são micronações fora das Zonas Económicas Exclusivas, ou seja, para além das 200 milhas náuticas (370 Km) que os países podem reivindicar como seu território. Criados ora em navios de cruzeiros, ora em plataformas antiaéreas, ora em ilhas flutuantes, estes espaços são autónomos, livres de qualquer jurisdição, independentes. Conhecidos exemplos incluem, por exemplo, as
Women on Waves, organização que protege os direitos das mulheres, realizando abortos em barcos ao largo de países costeiros onde a lei não o permite, e a Radio Veronica, rádio pirata que navega no Mar do Norte. Algo análogo é o
Projeto Vénus, de Jacques Fresco.
O
Seasteading Institute trabalha na criação de cidades flutuantes em plataformas petrolíferas localizadas em águas internacionais (fora da jurisdição de qualquer país), permitindo que se testem novas ideias de governação. Acreditam que “a experimentação é a fonte de todo o progresso: para encontrar algo melhor, tem que se tentar algo novo”. Curioso. Peter Thiel, magnata americano dos negócios, co-fundador do PayPal e dos primeiros investidores no Facebook, tem vindo, desde 2008, a investir neste instituto, cuja missão é “estabelecer comunidades oceânicas permanentes e autónomas para experimentar diferentes sistemas sociais, políticos e legais”. Peter Thiel é conhecido por ter grandes ideias antes de qualquer outro. Esta poderá vir a ser a mais icónica de todas.
Nesta aventura “por mares nunca dantes navegados”, junto ao também empresário tecnológico, investidor e filantropo PeterThiel, está Patri Friedman, ativista, engenheiro de software, teórico de economia política, e neto do Prémio Nobel da Economia Milton Friedman. Juntos são a cara do Seasteading Institute e têm uma visão – uma visão “urgente”: criar a “nova geração de governação”. O raciocínio é simples: como os sistemas políticos atuais não estão a acompanhar as realidades do século XXI, o mundo precisa de espaços para aqueles que queiram experimentar novos modelos sociais e testar as suas ideias. Como toda a terra do mundo já está reivindicada, os oceanos são, então, a próxima fronteira.
© Anthony Ling, Rendering Freedom (Creative Commons Attribution License).
© Team 3DA, Refusion (Creative Commons Attribution License).
Estas “caixas de Petri” funcionarão, em princípio, em plataformas flutuantes alimentadas a diesel que poderão albergar até 270 habitantes. Mas Patri Friedman espera que haja dezenas de milhões de pessoas a habitar centenas de plataformas interligadas até 2050. O objetivo é a autossustentabilidade destas futuramente reconhecidas Nações Unidas. Na conferência do Seasteading Institute, em 2009, Friedman responde às muitas dúvidas de muita gente desta forma: “Como eles acham que não é possível, não nos levarão muito a sério. E [assim] não tentarão parar-nos, até que seja demasiado tarde”. Um artigo do Financial Times descreve a solução proposta pelo Seasteading Institute de uma forma simples: “Se estás descontente com o teu governo, então deves ser livre para “usar” outro qualquer ou, ainda melhor, criar o teu próprio”.
A gestão destas cidades flutuantes, deixamo-la para os amantes da
arcologia de Soleri. Já o design arquitetónico esteve a
concurso e está espelhado nas ilustrações deste artigo.
Fica esta extravagante ideia no mar alto do pensamento. E que comecem a jorrar ideias limpas, nos cemitérios onde outrora jorrou petróleo.
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