Mais uma motivo para admirarmos o naturalista sueco Lineu.
© Exemplar do herbário de Lineu: Cyclamen europaeum (Wikicommons).
"Deus criou, Lineu organizou" - esta a expressão tantas vezes repetida sobre o papel que Lineu teve no nosso conhecimento do mundo. No frontispício da sua 'opus magnum', o Systema Naturae, lá temos a ilustração: o naturalista devidamente instalado no jardim do Éden, a pôr ordem na casa, a dizer o que é isto e o que é aquilo, e como se há-de chamar às coisas. É a Lineu que devemos o sistema de classificação das espécies em uso ainda hoje - a taxinomia binária que identifica cada espécie com duas palavras: uma para identificar o género, outra para restringir e identificar a espécie. Por exemplo, Quercus suber (o sobreiro).
© Frontispício do Systema Naturae de Lineu (Wikicommons).
Até Lineu ter criado o seu método (e se há coisa de que podemos acusá-lo é de ser metódico), não havia sistemas de classificação de animais e plantas rigorosos e reconhecidos universalmente. Coube a Lineu o trabalho enciclopédico de organizar a Natureza. Começou com um ensaio de umas 11 páginas, o já referido Systema Naturae, em 1735; as sucessivas reedições e acrescentos fizeram crescer este volume até às 3.000 páginas em 1770, oito anos antes da sua morte. Lineu foi o primeiro e único naturalista a tentar uma classificação sistemática de todas as espécies conhecidas no seu tempo.
© Retrato de Lineu por Hendrik Hollander (Wikicommons).
Lineu (Carl Linnaeus) nasceu na Suécia em 1707 e estudou medicina. Foi nesta altura que começou o seu afã de arrumações, com a colecção botânica da universidade de Uppsala, onde viria a ser professor. As viagens que fez na Suécia e na Lapónia, e aquelas feitas por discípulos seus às sete partidas do mundo, de onde lhe enviavam depois novos espécimes, permitiram-lhe enriquecer grandemente o seu conhecimento da vida na Terra. Foi também ele quem propôs a divisão da natureza em três reinos - vegetal, animal e mineral.
© Ilustrações da obra de Lineu "Species Plantarum" (Wikicommons).
E Lineu é o homem da vida sexual das plantas - e é aqui que começamos a entrar, quanto a mim, na parte apaixonante da coisa. Não foi ele quem avançou a ideia de que as plantas tinham uma vida sexual, mas foi ele quem usou as características sexuais das plantas - os seus órgãos e sistema reprodutores - como critério determinante para a sua classificação. Distribuiu as plantas por classes segundo o número, tamanho e traços distintivos dos estames (órgãos masculinos) e por ordens de acordo com os pistilos (órgãos femininos). E fê-lo pondo à mostra um fascínio óbvio pela vida amorosa das plantas, descrevendo-as por exemplo assim: "As folhas da flor… são como leitos nupciais que o criador preparou de forma tão gloriosa, adornados com nobres cortinas e perfumados com tantos aromas suaves que o noivo e a noiva podem aí celebrar as suas núpcias com a maior solenidade…". De uma das classes de plantas, que tem oito estames, diz que são oito homens na mesma câmara nupcial com uma mulher. De outra, que são vinte. Nem todos os seus contemporâneos gostaram desta abordagem. Trazer para a ribalta a sexualidade das plantas, no século XVIII, era pelo menos audaz, para não dizer que era um atentado à moral.
© Uma flor de cacto (Echinopsis spachiana) com close up dos estames e pistilos (Wikicommons, Brocken Inaglory).
O fascínio de Lineu pelas plantas levou-o a imaginar dois sistemas de medição do tempo com base nos ritmos destas. O primeiro, um relógio floral, assentava no facto de que as flores de certas plantas abrem e fecham a horas precisas ao longo do dia. Conhecendo bem estas horas, seria possível ter um jardim que permitia saber sempre qual a hora no momento. O segundo, um calendário: Lineu imaginou-o em 1756, e cada flor reflectia diferentes fases do ano. Uma espécie de almanaque floral para guiar a passagem do tempo.
Lembro-me de estudar na escola a taxinomia proposta por Lineu e de, na altura, me ter sentido deslumbrada com a beleza e a limpeza de todo o sistema que ele propunha. Criei para mim mesma a imagem dum homem que passeia pelo seu jardim, vai olhando atentamente, persistentemente, com um misto de obsessão e ternura, as plantas e bichos, e decide que é preciso arrumar tudo aquilo - e pensa durante um tempo, e põe mãos à obra sem considerar que a tarefa é impossível. Um pouco como os linguistas de outros tempos, que faziam dicionários sozinhos. Isto, pensava eu, tem de ser um homem bom. O tipo de homem que é bom termos, em qualquer época.
© Jardim botânico de Lineu, em Upsala (Wikicommons, Andreas Trepte)
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/05/vinte_ou_mais_homens_no_leito_da_mesma_mulher_ou_a_vida_sexual_das_plantas.html#ixzz1ualyWQYB
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