O antropólogo Lévi-Strauss, em sua obra "Mitológicas", recorreu à cozinha e ao preparo dos alimentos para estudar diversos mitos indígenas, mas, mais do que isso, ele mostrou que os alimentos podem ser utilizados como fonte de pesquisa para quem quer entender um pouco melhor aquilo que nos faz humanos.
Cezanne "O Cesto de Maçãs" (1890-1894).
“As Mitológicas” são uma série de estudos publicados pelo antropólogo francês entre 1964 e 1971, reunidos em quatro volumes. Os alimentos e as práticas culinárias são o pano de fundo para um estudo aprofundado sobre os mitos indígenas.
O primeiro volume, publicado em 1964, chama-se “O Cru e o Cozido”. Nele o pesquisador demostra que o homem tornou-se culturalmente mais desenvolvido quando passou a utilizar o fogo como tecnologia para a preparação de alimentos. Para nós, hoje, essa afirmação pode parecer óbvia, mas para a época de sua publicação era uma visão nova, já que o domínio do fogo era considerado mais em relação à sua importância para a sobrevivência do que para o desenvolvimento cultural.
Para Lévi-Strauss, o fogo era a ponte que ligava a natureza à cultura. A natureza, nesse caso, seria representada por alimentos crus que após passarem pelo fogo tornam-se cozidos. Parece simples, mas para homens que acabam de descobrir o poder do fogo a simples passagem de um alimento em estado natural para o estado “cultural” do cozimento é um grande avanço.
Mas o que o simples cozimento de um alimento pode representar dentro da cultura? Se levarmos em consideração a cultura alimentar apenas de países como o Brasil e o Japão, já perceberemos a grande diferença: no primeiro, a carne, principalmente de gado, é um dos alimentos bases da alimentação e é consumida de inúmeras formas (porém, sendo pouco usual o consumo dela crua), enquanto o peixe não é consumido por grande parte da população. No segundo, por outro lado, o peixe é o carro chefe da alimentação e nem sempre existe a necessidade de passar por modos de preparo comuns a nós brasileiros, como o cozimento, por exemplo.
Cezanne "Natureza Morta com Terrina de Sopa" (1877).
Cezanne "Natureza Morta com Fruta" (1879-1882).
Foi a partir da observação dos hábitos alimentares de tribos indígenas brasileiras que o antropólogo criou o que ficou conhecido como o “Triângulo Culinário”, no qual explicita as relações de transformação do alimento através do tripé: cru, cozido, podre. Assim, o alimento cru (natural), passa pelo fogo e torna-se cozido (cultural) e então por influências diversas apodrece e retorna à natureza.
Tudo isso fez com que o homem primitivo criasse uma série de hábitos estritamente culturais ligados à alimentação: começando pelo cultivo de alimentos que pudessem ser saboreados cozidos, a caça e o preparo da carne, algum tipo de conservação dos alimentos, até chegar às receitas, hábitos alimentares específicos de cada região, modos de consumo, regras de educação durante a refeição e a preocupação com o lixo gerado por ela.
Para Claude Lévi-Strauss, a cozinha é uma linguagem e cada sociedade codifica suas mensagens através de signos particulares dentro desta.
Cezanne "Maçãs, Pêssegos, Pêras e Uvas" (1879-1880).
Cezanne "Cerejas".
Podemos pegar a ceia de Natal como um exemplo. Quando há um evento importante para nós ele, na maioria das vezes ele é celebrado com um jantar, e neste caso a ceia teria um status ainda maior. A abundância de alimentos também representa um signo bem definido: a felicidade frente às agruras do ano que passou. O peru de Natal que para nós já é tão comum, também tem um explicação cultural bastante interessante, segundo o antropólogo francês: quando a carne que será servida em um jantar for assada, este prato deve ser o mais importante da refeição, isso por que, em uma comparação com a carne cozida, o assado seria mais aristocrático, já que a carne quando cozida ainda conserva os sucos, denotando economia, e a assada seria um processo de destruição e, portanto, de esbanjamento.
Manet "Natureza Morta com Melão e Pêssegos" (1866).
Matisse "Pote Azul e Limões" (1897).
Para ele, a cozinha baseia-se em ações técnicas, operações simbólicas e rituais. Utilizando o esquema do “Triângulo Culinário” para entender outros mecanismos culturais, o pesquisador francês provou que algo que fazemos de maneira intuitiva muitas vezes esconde segredos que contam muito sobre a essência de ser humano. Se esse tema o interessa, sugerimos a leitura deste
artigo sobre História da Alimentação, que utilizámos como fonte.
Matisse "Fruta e Café" (1899).
Matisse "Pratos e Fruta" (1901).
Matisse "Natureza Morta com Vaso, Garrafa e Fruta" (1903).
Matisse "Pratos e Fruta em sobre tapete Vermelho e Preto" (1906).
Matisse "Natureza Morta Azul" (1907).
Renoir "Maças e Flores" (1896)
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/04/os_alimentos_tambem_servem_para_pensar_-_claude_levi-strauss_e_a_cozinha.html#ixzz1s4Bbo3Il
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