O livro faz parte da primeira fase modernista – a fase heróica. A influência das vanguardas europeias é visível em várias técnicas inovadoras de linguagem que a obra apresenta. Por isso, pode oferecer algumas dificuldades ao leitor desavisado.
Há inúmeras referências ao folclore brasileiro. A narrativa se aproxima da oralidade – no capítulo “Cartas pras Icamiabas”, ironiza o povo de São Paulo, que fala em uma língua e escreve em outra. Além disso, não existe verossimilhança realista.
Alguns aspectos históricos motivaram a criar tais “empecilhos”. A referência ao folclore brasileiro e à linguagem oral é manifestação típica da primeira fase modernista, quando os escritores estavam preocupados em descobrir a identidade do país e do brasileiro. No plano formal, essa busca se dá pela linguagem falada no Brasil, ignorando, ou melhor, desafiando o português lusitano. No plano temático, a utilização do folclore servia como matéria-prima dessa busca.
é, portanto, uma tentativa de construção do retrato do povo brasileiro. Essa tentativa não era nova. O autor romântico José de Alencar, por exemplo, tivera a mesma intenção ao criar, no romance O Guarani, o personagem Peri, índio de aspirações nobres, que se assemelhava, em relação a sua conduta ética, a um cavaleiro medieval lusitano. Não é exagero dizer, se compararmos Peri a , que esse é o oposto daquele. Enquanto o primeiro é valente, extremamente perseverante e encontra suas motivações nos valores da ética e da moral, , além de indolente, conduz a maioria de seus atos movido pelo prazer terreno, mundano. É “o herói sem nenhum caráter”.
NARRADOR A crítica literária contemporânea faz questão de considerar a diferença entre o autor e o narrador: esse é tido como uma criação daquele. No caso de , no entanto, essa distinção pode ser questionada, quando o narrador aparece no último capítulo. No “Epílogo”, o narrador revela que a história que acabara de narrar havia sido contada por um papagaio, que, por sua vez, a tinha ouvido de : “Tudo ele – o papagaio – contou pro homem e depois abriu asa rumo a Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história”. Essa interferência do narrador, da forma como foi feita, aproxima-o do autor, no caso .
ENREDO
A obra pode ser classificada como uma rapsódia, considerando- se dois significados dessa palavra contidos noDicionário Aurélio: “3. Entre os gregos, fragmentos de poemas épicos cantados pelos rapsodos. 4. Mús. Fantasia instrumental que utiliza temas e processos de composição improvisada tirados de cantos tradicionais ou populares”.
Há, ainda, uma aproximação ao gênero épico: à medida que o livro narra, em trechos fragmentados, a vida de um personagem que simboliza uma nação. Sobre a acepção musical dada pelo dicionário, chama atenção o improviso da narrativa, que impressiona e surpreende a cada momento, tendo como pano de fundo a cultura popular.
O enredo dessa rapsódia, como foi dito, pode tornar-se confuso ao leitor acostumado ao pacto de verossimilhança realista. Por exemplo, é necessário aceitar o fato de o protagonista morrer duas vezes no romance; ou, então, que , em uma fuga, possa estar em Manaus e, algumas linhas depois, aparecer na Argentina; ou ainda o fato de o herói encontrar uma poça que embranquece quem nela se banha.
A verossimilhança em questão é surrealista e deve ser lida de forma simbólica. A cena em que e seus dois irmãos se banham na água que embranquece pode ser entendida como o símbolo das três etnias que formaram o Brasil: o branco, vindo da Europa; o negro, trazido como escravo da África; e o índio nativo. Nessa cena, é o primeiro a se banhar e torna-se loiro.
Jiguê é o segundo, e como a água já estava “suja” do negrume do herói, fica com a cor de bronze (índio); por último, Manaape, que simboliza o negro, só embranquece a palma das mãos e a sola dos pés.
Capítulo I - “ ”
nasce no Uraricoera e já manifesta uma de suas características mais fortes: a preguiça; sua principal atividade é a sexual, e com a mulher do irmão Jiguê. É também nesse capítulo que o protagonista se transforma em um príncipe lindo.
Capítulo II - “Maioridade”
Por suas traquinagens, é abandonado pela mãe. No meio do mato, encontra o Curupira, que arma uma cilada para o herói, da qual acaba escapando por pura preguiça. Depois de contar à cotia como enganou o monstro, ela joga calda de aipim envenenada em , fazendo seu corpo crescer, com exceção da cabeça, que ele consegue desviar do caldo.
Capítulo III - “Ci, Mãe do Mato”
Com a ajuda dos irmãos, consegue fazer sexo com Ci, que engravida e perde o filho. Após a morte do filho, Ci deixa também este mundo e dá a a famosa muiraquitã, um tipo de talismã ou amuleto.
Capítulo IV - “Boiúna Luna”
Triste, segue seu caminho após se despedir das Icamiabas (tribo das índias sem marido). Encontra o monstro Capei e luta contra ele. Nessa batalha, perde o muiraquitã e fica sabendo que uma tartaruga apanhada por um mariscador havia encontrado o talismã, e esse o tinha vendido a Venceslau Pietro Pietra, rico fazendeiro, residente em São Paulo.
Capítulo V - “Piaimã”
O herói, acompanhado dos irmãos, vai para São Paulo, com o objetivo de recuperar a pedra. Na cidade, descobre que Venceslau Pietro Pietra é o gigante Piaimã, devorador de gente que era amigo da Ceiuci, também apreciadora de carne humana.
Capítulo VI - “A francesa e o gigante”
disfarça-se de francesa para seduzir o gigante Piaimã e recuperar a muiraquitã. O gigante propõe dar a pedra ao herói disfarçado se esse aceitasse dormir com ele. , então, dispara numa correria por todo o Brasil.
Capítulo VII - “Macumba”
vai para um terreiro de macumba no Rio de Janeiro e pede à macumbeira que dê uma sova cruel no gigante.
Capítulo VIII - “Vei, a Sol” Ainda no Rio, o herói encontra Vei, a deusa-sol. O herói promete a Vei que iria casar-se com uma de suas filhas. Na mesma noite, no entanto, “brinca” (ou seja, faz sexo) com uma portuguesa, enfurecendo a deusa. Ela manda um monstro pavoroso atrás do herói, que foge deixando a portuguesa com o monstro.
Capítulo IX - “Carta pras Icamiabas” No retorno a São Paulo, escreve a famosa “Carta pras Icamiabas”, na qual descreve, em estilo afetadíssimo, a agitação e as mazelas da vida paulistana.
Capítulo X - “Pauí-pódole”
Com o gigante adoentado, fica impossibilitado de recuperar a pedra, portanto gasta seu tempo aprendendo a difícil língua da terra.
Capítulo XI - “A velha Ceiuci”
Depois de arrumar uma saborosa confusão na cidade, o herói vai visitar o gigante, que ainda se recuperava. Resolve fazer uma pescaria no Tietê, onde também costumava pescar Ceiuci. Além de brincar com a filha da caapora, foge de Ceiuci em um cavalo que percorre de forma surrealista a América Latina: em algumas linhas, faz o incrível trajeto Manaus-Argentina.
Capítulo XII - “Tequetequem, Chupinzão e a injustiça dos homens”
Disfarçando-se de pianista, tenta obter uma bolsa de estudo para seguir no encalço de Venceslau Pietro Pietra, que fora para a Europa. Não conseguindo ludibriar o governo, decide viajar pelo Brasil com os irmãos. Numa das andanças, com fome, o herói encontra um macaco comendo coquinhos. O macaco diz cinicamente que estava comendo os próprios testículos. , ingenuamente, pega então um paralelepípedo e bate com toda a força nos seus, ditos, coquinhos. O herói morre e é ressuscitado pelo irmão Manaape, que lhe restitui os testículos com dois cocos-da-baía.
Capítulo XIII - “A piolhenta de Jiguê”
Jiguê se enamora de uma moça piolhenta, que brinca toda hora com . Quando descobre a traição, Jiguê dá uma sova no herói e uma porretada na amante, que vai para o céu com seus piolhos, transformada em estrela que pula.
Capítulo XIV - “Muiraquitã”
mata o gigante Piaimã, jogando-o num buraco com água fervendo, onde Ceiuci preparava uma imensa macarronada. Depois de matar Venceslau Pietro Pietra, o herói consegue recuperar a muiraquitã.
Capítulo XV - “A pacuera de Oibê” e os irmãos resolvem voltar para o Uraricoera, levando consigo alguns pertences e uma dose de saudade de São Paulo. Na volta, o herói tem vários casos amorosos. Perseguidos pelo Minhocão Oibê, o transforma num cachorro-do-mato e segue viagem.
Capítulo XVI - “Uraricoera” Chegando ao Uraricoera, o herói se entristece ao ver a maloca da tribo destruída. Uma sombra leprosa devora os irmãos, e fica só. Todas as aves o abandonam, apenas um papagaio, a quem conta toda a sua história, permanece com ele.
Capítulo XVII - “Ursa Maior”
Vei, a Sol, vinga a desfeita que havia feito a uma de suas filhas e cria uma armadilha para o herói, que, ao ver a uiara em uma lagoa, se deixa seduzir e acaba sendo mutilado pelo monstro. consegue recuperar suas partes mutiladas, abrindo a barriga do bicho, mas não encontra sua perna nem a muiraquitã. O herói vai para o céu, transformado na constelação da Ursa Maior.
Epílogo
O narrador, aqui, conta que ficou conhecendo a história narrada com o papagaio ao qual havia relatado suas aventuras.
TEMPO E ESPAÇO
Por tratar-se de uma narrativa mítica, o tempo e o espaço da obra não estão precisamente definidos, tendo como base a realidade. Pode-se dizer apenas que o espaço é prioritariamente o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior, enquanto o tempo cronológico da narrativa se mostra indefinido.
CONCLUSÃO
é uma obra que busca sintetizar o caráter brasileiro, segundo as convicções da primeira fase modernista. Uma leitura possível é a de que o povo brasileiro não tem um caráter definido e o Brasil é um país grande como o corpo de , mas imaturo, característica que é simbolizada pela cabeça pequena do herói.
Macunaíma é uma obra de Mário de Andrade, e para a criar esse personagem ele fez uma mistura de lendas, personagens reais e irreais e usou uma linguagem diferente. É muito interessante, pois ele é um herói diferente, é um herói sem caráter e na maioria das vezes os heróis são aqueles que tem caráter.
ResponderExcluirObrigada Thaisa por seu comentário, gosto da irreverência de Mário de Andrade ao criar um herói sem "caráter", mais uma vez o gênio traz reflexões a nós. Beijos!
ResponderExcluirnunca tinha ouvido falar desse livro, e achei bem interessante o fato do personagem principal ser um anti-heroi ,isso foge do clichê e nos mostra que macuinaíma é um personagem ficticio mas que se aproxima da realidade que é a personalidade de muitos brasileiros.
ResponderExcluirÉ muito bom Dani sabermos que a sala de aula proporciona descobertas aos alunos, fico muito feliz por conhecer mais um livro. Muito obrigada por sua participação! Beijos.
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