quinta-feira, 1 de março de 2012

Joias reunidas


No exercício diário de ler crônicas, descubro e redescubro a Clarice que narra seu cotidiano com preciosidade e a incluo entre meus cronistas favoritos.
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Quem escreve crônica tem que ler crônica. Este é meu exercício permanente. Nos últimos dias tenho me divertido um bocado lendo textos de Clarice Lispector. Não entendeu? Disse ‘me divertido’, isso mesmo. Ganhei de presente “A descoberta do mundo” e estou me deleitando com as crônicas que Clarice escreveu para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Claro que ela não foge às suas angústias nem mesmo nas narrativas cotidianas, mas há, sim, como encontrar humor em seus textos.
Certos leitores que acompanham a produção dos cronistas atuais podem não compreender muito bem o universo e questionar a temática normalmente utilizada neste estilo jornalístico/literário. Porém, quem se arriscar a um passeio pelas páginas dos nossos maiores cronistas (minha opinião) Rubem Braga e Fernando Sabino, entenderá bem rápido o que é falar sobre o dia a dia. E o que me faz rir em Clarice Lispector cronista é justamente esta temática, do ponto de vista feminino, lá nos idos de 60, em meio à ferveção intelectual e política. Não se trata apenas da observação diária da mulher Clarice. Falo das situações comezinhas descritas pela escritora que era mãe, dona de casa prendada, dama da sociedade. E aí, caro leitor, La Lispector é diversão pura.

Ri de si mesma ao confessar-se “um pouco sem jeito na minha nova função daquilo que não se pode chamar propriamente de crônica”; dedica-se a questionamentos sobre os homens, algo do tipo “O homem. Como o homem é simpático. Ainda bem. O homem é a nossa fonte de inspiração? É. O homem é nosso desafio? É. O homem é o nosso inimigo? É. O homem é o nosso rival estimulante? É. O homem é o nosso igual ao mesmo tempo inteiramente diferente? É. O homem é bonito? É. O homem é engraçado? É. (...) O homem é um chato? Também. Nós gostamos de ser chateadas pelo homem? Gostamos.”
Quando resolve dizer o que pensa sobre o programa do Chacrinha, não faz a menor cerimônia em ser franca. Aponta o dedo e dispara sua crítica, chamando-o de doido, sem imaginação, obcecado. Tamanha honestidade no falar, no opinar sem máscara, me enche a face de sorrisos. Não que concorde (nem sei se concordo), mas Clarice é tão lúcida em 1967, que é capaz de afirmar que “Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada: eu quereria um povo mais exigente”.
Clarice fala das amigas, dos seus passeios, comadres, bichos, lugares que frequentava, das suas empregadas, cada uma com sua idiossincrasia – da mineirinha calada à cozinheira vidente, passando pela Ivone, a qual no título da crônica a chama de “A Coisa”. Não deixa também de frisar que “não sou domínio público”, ao repelir os desejos de muitos em conhecê-la pessoalmente. Mas podia ser muito afável ao receber uma repórter em casa, adorar a entrevista e ainda escrever sobre isso com doçura e humor. “E fui me encantando com Cristina. É noiva. Que pena, pensei. Gostaria que ela ficasse bem sentadinha esperando muitos anos que meus filhos crescessem para um deles se casar com ela. (...) Percebo que afinal estou tendo a minha vingança: a moça escreve sobre mim, mas eu vou e escrevo sobre ela. (...) Mas não sei por que, depois que li a entrevista, saí tão vulgar. Não me parece que eu seja vulgar. E nem tenho olhos azuis”.
Ler Clarice dá uma saudade que não existe, pois que não a tive enquanto viva. Ler suas crônicas move uma sensação de que estive por ali, naqueles dias, a apreciar a gente que alvoroçava aqueles tempos. Ainda não terminei o livro; como disse, estou me deleitando. Das crônicas que li há pouco, antes de escrever sobre ela, escolhi estas palavras finais, de um texto de junho de 1969:
“MAS JÁ QUE SE HÁ DE ESCREVER
Mas já que se há de escrever, que ao menos não esmaguem as palavras nas entrelinhas.
AMOR À TERRA
Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu.”


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