"Janelas abertas simultaneamente", quadro de Robert Delaunay, 1912.
JANELAS
Todo o amarelo morre do vermelho ao verde
Quando as araras cantam nas florestas nativas
Miúdos de pir-rís
É preciso escrever um poema sobre o pássaro de uma asa só
Vamos enviar por telefone
Traumatismo gigante
Faz os olhos correrem
Repare naquela moça bonita que passa entre as mulheres de Turim
O pobre rapaz assoa o nariz na sua gravata branca
Você vai erguer a cortina
E eis que a janela se abre
Aranhas quando minhas mãos teciam a luz
Beleza palidez insondáveis violetas
Em vão tentaremos um cochilo
Começaremos à meia-noite
Onde se tem o tempo tem a liberdade
Mexilhões Bacalhau múltiplos Sóis o Ouriço do poente
Um par de velhas botas amarelas na janela
Torres
Torres são ruas
Poços
Poços são praças
Poços
Árvores ocas abrigando mestiços vagabundos
Mulatos cantam cantigas que matam
Mulatos barulhentos
E o ganso trompeteia seu ruá-ruá rumo ao norte
Onde caçadores de guaxinim
Raspam as peles da caça
Vancouver
Diamante brilhante
Onde o trem branco de neve e seus fogos noturnos fogem do inverno
Ô Paris
Todo o amarelo morre do vermelho ao verde
Paris Vancouver Hyères Maintenon New-York Antilhas
A janela se abre como laranja
Bonito fruto da luz
GUILLAUME APOLLINAIRE
Tradução: Rodrigo Garcia Lopes
Este poema, de 1912, publicado para o catálogo da exposição de seu amigo e pintor Robert Delaunay, exemplifica a estética da surpresa e da simultaneidade da poesia de Apollinaire, altamente paratática, quase uma tradução verbal e cubista da experiência dos quadros "simultaneístas" de Robert Delaunay, com a paisagem da rua sendo desconstruída na linha de Cézanne. Uma naturza morta-viva de palavras, e que é capaz de abarcar tempos e espaços insuspeitos, numa poética que anuncia a consciência da aldeia global.
[1] Pihi, pássaro fantástico da lenda chinesa que teria um olho e uma asa, o que o obrigava a voar sempre em pares: o macho à direita, a fêmea à esquerda. Em vários poemas Apollinare se refere à fauna e seres imaginários.
[2]Referência a dois jornais de Paris da época de Apollinaire, O Tempo e A Liberdade
Fonte: Estúdio Realidade
Olá Aline
ResponderExcluirgostei muito deste poema de Guillaume Apollinaire que desconhecia. curiosamente Sonia e Robert Delaunay, estiveram dois anos em Portugal, na cidade de Vila do Conde, junto ao mar. para conhecer um pouco dessa experiência que teve consequências nas suas pinturas e prolongou um convívio com os poetas dessa geração, junto o link http://amigos-de-portugal.blogspot.com/2008/06/robert-e-sonia-delaunay.html
Parabéns pela qualidade do blog :)
Que informação maravilhosa e enriquecedora! Muito, muito obrigada por sua belíssima participação no TRIBARTE! Amo o seu país e o acesso do meu blog é constante pelos portugueses. Sinto-me muito honrada com sua presença! Imenso abraço, Aline Carla.
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