CURADORIA: Maddalena D’Alfonso
LOCALIZAÇÃO: 2º e 3º andares
De Chirico e o sentimento da arquitetura
A cidade de De Chirico é a cidade grega, renascentista e moderna, onde tanto pode surgir uma locomotiva quanto uma antiga embarcação grega.
Portanto não se trata de uma cidade real, mas de uma composição onírica de elementos retomados por imagens da cidade histórica, sobretudo europeia, onde a praça, a rua, a perspectiva do pórtico e o despontar das torres remetem seja a edifícios concretos, seja a arquétipos arquitetônicos. Suspensos no sonho, os fragmentos de Florença, Roma, Turim, Munique, Ferrara, Paris, Nova York aludem de fato a sentimentos ligados à experiência da vida urbana, sentimentos que expressam um estilo de vida, uma relação entre história, lugares e pessoas, uma vivência individual e coletiva, que o pintor traduz em arte.]
Por isso a cidade dequiriquiana se refrata em formas diversas, formas que esta mostra destaca: a cidade metafísica, a cidade renascentista, a cidade hermética, a cidade moderna.
A mais conhecida é a cidade metafísica, cuja primeira concepção ocorre em Florença e que será executada pelo pintor em Ferrara: são os anos da escola metafísica, que envolve outros artistas, como Alberto Savinio, Carlo Carrà, Filippo de Pisis e Giorgio Morandi. Um exemplo são as Le muse inquietanti (Musas inquietantes): nessa obra, fragmentos díspares se põem ao lado do Castelo Estense, que surge em perspectiva distorcida sobre um palco de tábuas onde se assentam misteriosas esculturas-manequins.
Mas a cidade dequiriquiana também é clássica, inspirada no mito grego e na arquitetura renascentista. A igreja florentina de Santa Maria Novella, por exemplo, é transfigurada repetidamente em forma de templo, servindo de cenário para a Partida dos Argonautas, e também reaparece no quadro Il Pensatore (O pensador).
Há ainda a cidade hermética, louvada pelo amigo Guillaume Apollinaire e por seu círculo de poetas e filósofos _Giuseppe Ungaretti, F.T. Marinetti, André Breton_, e que depois inspirou o Movimento Surrealista, retomada no Triangolo Metafisico con guanto (Triângulo Metafísico com luva).
Por fim, há a cidade moderna, de praças geométricas, silenciosas e melancólicas, perdidas no vazio e como que à espera, onde se transfiguram os primeiros exemplos da moderna arquitetura turinense adorada por Nietzsche _imagem de cidade que depois inspirou parte da arquitetura do século XX.
A articulação do imaginário urbano de De Chirico não se esgota na representação de espaços externos, mas também inclui cenas de interiores, apresentando cômodos com objetos como metáforas da complexidade mental e efetiva do homem moderno: em um aposento doméstico, um tapete de água atravessado com esforço por um homem num barco representa o mito sempre moderno da Odisseia e da nostalgia de Ulisses.
Assim, De Chirico evoca os indivíduos por meio dos objetos que os representam: simulacros de si mesmos, eles se reconhecem nos artefatos associados a seus ofícios ou a sua posição como em um espelho, por meio dos quais expressam sua natureza e dão corpo a seus sonhos. Os Archeologi (Arqueólogos), por exemplo, homens compostos de relíquias da antiguidade, são os laboriosos mineradores da história e da memória, de cujas vísceras extraem para a luz os vestígios de civilizações esquecidas, que são o fundamento da nossa.
A transfiguração dos cenários urbanos permite ao pintor inserir-se em um diálogo ativo com a história: de fato, há sincronia entre passado e presente, e seu modo de sentir a cidade lança raízes em um húmus existencial antigo, que remonta aos gregos, em cujo centro de ergue o homem de espírito e de poesia.
Maddalena D’Alfonso
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