Com as mãos calejadas pelo cabo da enxada que revolvia a terra roxa dos cafezais de Lins, interior de São Paulo, o então lavrador Manabu Mabe foi sem querer encontrar, aos 20 anos, a profissão que abraçou até o fim da vida.
Para driblar o tédio do tempo chuvoso, quando não se podia plantar café, Mabe começou a se dedicar aos pincéis. Pintava nos fins de semana e nos dias de chuva, sempre usando como apoio para as telas a cabeceira da cama do pequeno quarto que dividia com os irmãos.
Desde então, este imigrante naturalizado brasileiro e nascido em 1924 na cidade de Kumamoto-Ken – situada na ilha de Kiushiu, Sul do Japão – iniciou uma carreira luminosa nas artes plásticas. Mestre da abstração e autor de uma pintura energética, intuitiva e espontânea,
Mabe morreu na segunda-feira 22, aos 73 anos, no Hospital Beneficência Portuguesa, em São Paulo, de complicações causadas por um transplante de rim, realizado em novembro de 1996. Diabético, ele estava hospitalizado desde 27 de agosto. No sábado 20, foi transferido para a UTI, onde se recuperava da extração do baço.
Autêntico samurai da pintura, o autodidata Manabu Mabe promoveu a síntese entre as cores quentes tropicais e o equilíbrio e a elegância zen da delicadeza oriental. No seu apogeu – durante os anos 50 e 60 – produziu uma obra vigorosa, feita de grandes e poéticas manchas coloridas, que lhe deu prestígio, além de uma sucessão de prêmios e fama de pintor brasileiro contemporâneo de maior sucesso internacional, com telas que atingiram preços de até US$ 120 mil.
Aos dez anos, Manabu Mabe se mudou com os pais e os três irmãos para o Brasil, onde foram trabalhar na lavoura. Em 1948, Mabe realizou sua primeira mostra individual na capital paulista. No ano seguinte, após a morte do pai – que nunca concordou que ele se dedicasse à arte, já participava do Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro.
Ao se mudar de Lins para São Paulo, Mabe enfrentou dificuldades. Trabalhou como ajudante de tintureiro e, nas horas vagas, tingia e pintava gravatas de seda, que vendia aos amigos.
O reconhecimento internacional deu a Mabe fama e fortuna. Naturalizado às pressas para ganhar o prêmio de melhor pintor brasileiro na Bienal de 1959, ele foi um dos primeiros artistas orientais a deixar a sua marca na cultura nacional.
O crítico de arte de ISTOÉ, Olívio Tavares de Araújo, lembra que as obras do período áureo de Manabu Mabe tinham uma inegável força catártica que vinha da sua convicção interior de chegar incisivamente ao ponto, com concisão e uma concentração de samurai.
"Ele também foi um colorista sempre seguro, artesão no pleno comando do pincel que fez texturas com requinte e soube como impressionar e dominar as platéias."
Marco na arte brasileira, a partir dos anos 70, pressionado pelo sucesso de vendas, Mabe passou a pintar em escala quase industrial, realizando a média de 80 telas por ano. Os preços de seus quadros dispararam e ele começou a repetir fórmulas, além de reduzir o tamanho das obras, prejudicando o impacto de suas telas.
Em 1979, Mabe sofreu uma grande perda em seu acervo. Um avião cargueiro da Varig, que fazia a rota Tóquio–Los Angeles, caiu no Pacífico com uma seleção de 63 óleos de sua autoria, pintados entre 1947 e 1978, e que tinham sido expostas no Japão. Mesmo abatido, ele reagiu ao acidente com resignação zen.
"Sorte que o pintor está vivo, que não foi o pintor que caiu no mar", disse ele.
Tempos depois, em 1986, sua obra ganhou uma grande retrospectiva no Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Casado com Yoshino Mabe, 67 anos, ele deixou três filhos que seguiram sua paixão pela arte – os gêmeos John, marchand, e Ken, arquiteto, e Yugo, artista plástico. Velado na casa que viveu por mais de três décadas, no bairro paulistano do Jabaquara, com jardim japonês e lago de carpas – e em seguida na Assembléia Legislativa –, Manabu Mabe foi enterrado no cemitério Congonhas, no Morumbi, sob uma fina chuva. A mesma que o levou a pintar.
Fonte : ISTOÉ
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