NATAL
Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!
Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias dos nossos pomos,
Festejar-te, ─ do fundo
Da miséria que somos.
Os que à chegadaTe vimos esperar com palmas,
frutos, hinos,
Somos ─ não uma vez, mas cada-
Teus assassinos.
À tua mesa nos sentamos:
Teu sangue e corpo é que nos mata
a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.
Sob escárnios e ultrajes,
Ao vulgo te exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lajes;
Te cravejamos numa cruz infame.
Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.
Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.
Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.
Como é que ainda tens a infinita paciência
De voltar, ─ e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?
Mas, se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer,
Jesus recém-nascido!, o que será de nós?!
( in Diário de Notícias, edição nº 33 345, 25 de Dezembro de 1958)
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