[39] Pensar é viajar (Charles Feitosa)
Fazer filosofia é como viajar sem sair do lugar, um movimento subterrâneo imperceptível do corpo. Não se trata de uma "viagem interior", mas de uma nomadização das relações com o mundo, no sentido de viver como um nômade, sem território fixo. Qualquer um, letrado ou iletrado, pode arriscar embarcar nessa experiência. Toda viagem é, a princípio, uma oportunidade excepcional de se encontrar com aquilo que não é familiar, nas suas mais variadas manifestações, desde o clima, vocabulário, comportamentos ou culinária. Trata-se de um mergulho admirado na alteridade. Viajar é, além disso, permitir que a força do inesperado nos arrebate. Quando viajamos abandonamos provisoriamente a segurança de nossas casas e a identidade garantida por nossas propriedades, nosso trabalho e nossa rede de amizades.
As viagens ajudam a relativizar as verdades e fazem circular as ideias.
Viajante e filósofo se assemelham na atitude: ambos se desembaraçam da rotina diária de trabalho e diversão e se deixam levar pela atmosfera de admiração pelo mundo. A diferença sutil, mas clara, é que o viajante tende a se surpreender com os aspectos mais inusitados dos lugares que percorre, ao passo que o filósofo se espanta principalmente com os acontecimentos tidos por banais e evidentes à sua volta.
Aquele que viaja por conta própria, ou é exilado à força, é retirado do seu lugar habitual. O hábito é como uma capa ou véu que cobre as questões, as relações e estados de coisas. O hábito é como um cobertor de algodão – cobre todos os cantos e abafa os sons, é anestésico, esconde informações. O hábito faz tudo ficar bonito e tranquilo. Na viagem ou exílio, em que o cobertor do hábito foi retirado, passamos a perceber de forma mais apurada as coisas e tornamo-nos revolucionários, mesmo que apenas para inventar um novo lugar para morar.
Filosofar é migrar voluntariamente, exilar-se da própria casa, da cidade, de si mesmo, retirando a cobertura do habitual que repousa sobre o mundo.
A mais radical imagem do filósofo viajante concentra-se no nome de Nietzsche. Convencido da influência profunda da atmosfera de um lugar sobre a vida e o pensamento, o "profeta sem morada" peregrinou constantemente entre os Alpes e o mar Mediterrâneo, da Itália à França, entre a Suíça e a Alemanha, sempre em busca de regiões não muito quentes no verão e não muito frias no inverno.
Em uma anotação da primavera de 1874, Nietzsche recomenda enfaticamente que o aprendiz de filosofia se eduque "através de viagens, na juventude". Mas tudo depende do modo como se viaja. No parágrafo 288 de Humano, Demasiadamente Humano (1886), ele diz que há cinco tipos de viajantes:
1) os que querem mais ser vistos do que ver nas viagens;
2) os que realmente veem algo no mundo;
3) os que vivenciam alguma coisa em função do que é visto;
4) os que incorporam e carregam consigo as vivências da viagem;
5) finalmente os de maior força, aqueles que colocam as experiências incorporadas de novo para fora, através de ações e de obras, tão logo retornam à casa.
O segredo da filosofia e de toda viagem está, portanto, na capacidade de deixar se atravessar por aquilo que atravessamos pelo caminho.