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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Carolina de Jesus e Virginia Woolf: um quarto para todas as mulheres


Carolina de Jesus, escritora brasileira, dá vida à irmã de Shakespeare, personagem criado por Virgínia Woolf como exemplo da dificuldade enfrentada pelas mulheres que querem escrever sua própria história.




Carolina Maria de Jesus foi uma mulher, negra, brasileira, pobre e escritora. Nascida em Sacramento, Minas Gerais, numa comunidade rural, estudou dois anos em uma escola paga pela mulher de um fazendeiro, aprendeu a ler e a escrever. Aos 23 anos, emigrou para São Paulo e passou a morar na favela do Canindé. Mãe de três filhos de pais diferentes que criou sozinha, catando papel na rua; se negou a ser dependente de qualquer homem. Embora tenha estudado pouco, aprendeu o suficiente para ler livros que encontrava no lixo e escrever um diário, contando sobre seu dia-a-dia e como enxergava o mundo a sua volta. Um destes diários foi publicado como Quarto de Despejo, metáfora criada pela escritora para se referir à favela em relação à capital. Embora escrito na linguagem simples e deselegante de uma pessoa sem muita instrução, seu diário foi traduzido para 14 idiomas e tornou-se um best-seller.



Virginia Woolf é considerara uma das maiores escritoras inglesas do séc. XX, com vasta produção artística em romances e ensaios. Teve uma vida conturbada desde cedo; com a morte da mãe, aos 13 anos e um não confirmado caso de abuso sexual na infância, cometido pelo seu meio irmão, Virginia apresentou os primeiros sinais de problemas mentais. Casou-se com Leonard Woolf e com ele fundou uma editora, por onde publicou seus livros. Após uma vida vivida entre momentos de alegria e momentos de depressão, em 1941 entrou no Rio Ouse usando um casaco cheio de pedras nos bolsos, suicidou-se. Entre seus escritos, destaco o ensaio Um teto todo seu, baseado em dois artigos lidos por ela numa conferência em 1928 sobre o tema "as mulheres e a ficção". Falando para uma plateia essencialmente feminina da Sociedade das Artes, Virginia Woolf mostrou um feminismo leve, esclarecido, ao mesmo tempo que revelava uma realidade sofrível para mulheres que tentaram se lançar a literatura. Sua hipótese era de que as mulheres precisam de duas coisas para criarem uma nova literatura: um teto todo seu, ou seja, um quarto com fechadura na porta e quinhentas libras por ano. Uma das personagens criadas pela autora para representar esta realidade é irmã de Shakespeare, que embora talentosa como o irmão, foi subjugada por tarefas domésticas e todos os seus esforços para demonstrar seu talento teriam sido esmagados pela família. Desesperada, ela foge, almeja se tornar atriz no teatro onde seu irmão se consagrou diante do mundo que o recebeu de braços abertos, mas foi enxotada, e seu destino foi prostituir-se e suicidar-se.



Embora concluísse que "um gênio como o de Shakespeare não nasce entre pessoas trabalhadoras, sem instrução e humildes" (WOOLF, 1985, p.61) insistia que "(...) se encararmos o fato, porque é um fato, de que não há nenhum braço onde nos apoiarmos, mas que seguimos sozinhas e que nossa relação é para com o mundo da realidade e não apenas para com o mundo dos homens e das mulheres, então a oportunidade surgirá, e a poetisa morta que foi a irmã de Shakespeare assumirá o corpo que com tanta frequência deitou por terra." (WOOLF, 1985, pg.138)

E então que aquela brasileira catadora de lixo assumiu o corpo da irmã de Shakespeare e construiu uma história diferente daquela escrita por Virgínia Woolf. Carolina de Jesus não ganhava quinhentas libras por mês e não tinha um teto todo seu - embora enquanto escrevesse, se imaginava num "castelo cor de ouro que reluz na luz do sol (...) É preciso criar este ambiente de fantasia, para esquecer que estou na favela. (JESUS, 2000, p.52). Mas Carolina não pretendia fugir de sua origem, pelo contrário, é escrevendo que ela afirma sua realidade marginal, registra suas dores e angústias, e através da escrita, ela transcende esta condição e alcança o sonho de um teto todo seu. Seu Quarto de Despejo denuncia, traz a tona o subalterno, é um desabafo. É uma resposta ao último pedido de Virginia Woolf às mulheres: "Peço-lhes que escrevam todo tipo de livros, não hesitando diante de nenhum assunto, por mais banal ou mais vasto que sejam." Isso porque, será duplamente importante "para seu bem [das mulheres] e para o bem do mundo em geral." (WOOLF, 1985, pg.132)

 

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