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terça-feira, 16 de abril de 2013

Filosofar ajuda na interpretação de textos?


Penso que filosofar seja uma atividade que auxilia muito na compreensão de textos. Normalmente quem reflete sobre o mundo que nos cerca tem mais facilidade para fazer associações complexas e, podemos dizer, mais completas. Pensando nisso, hoje voltamos à seção de Filosofia. Pensaremos, inicialmente sobre os instrumentos do filosofar. Faremos isso por meio de metáforas, textos bastante simples e de situações que nos levem à reflexão.



Vejam este pequeno texto que retirei de uma de minhas aulas de filosofia ainda na faculdade:


Hoje é o primeiro dia em que me sinto realmente em férias. E já é janeiro. Passou a correria da entrega de notas, reuniões de conselhos de classe, recuperação, fechamento dos diários de classe, seguida da outra correria, a preparação das festas de fim de ano. As compras, as visitas, a comida, o trânsito, o calor, a árvore a ser arrumada... Mas, hoje, finalmente em férias, posso começar a escrever outra vez.

Hmmm, estou sentindo um cheiro estranho. O que poderá ser? Nossa! Esqueci o feijão no fogo! Queimou. Lá se foi o meu almoço.

Tudo bem, faço um sanduíche, mas começo a escrever este novo livro.

Ó ilusão! Agora ouço um barulho. Será a campainha? Sempre posso fingir que não há ninguém em casa. Mas não é a campainha. O barulho continua, sempre igual e nos mesmos intervalos de tempo. Ah! é o telefone. Já tocou umas dez vezes. Talvez seja algo importante. Será que aconteceu alguma coisa com as crianças e estão querendo me avisar? É melhor atender logo.

— Alo! Bom dia, mãe... O quê? Tenho de ir aí para ver o que está acontecendo? (Suspiro.) Tá bom, mãe. Já estou indo...

Pois é, acho que vou deixar para escrever amanhã.
Aprendendo a ler
Aprendendo a ler o mundo

Pensando um pouco sobre o dia de ontem, percebo que fui obrigado a interpretar, ou seja, a dar significado a uma série de acontecimentos que invadiram o meu dia e me levaram a abandonar, temporariamente, o projeto de escrever. Vamos destacar alguns:
Primeiro, foi o cheiro ao qual atribuí o significado "feijão queimado". Em seguida, ao fato de o feijão ter queimado dei outro significado: a perda do almoço.
Segundo, foi o caso do som: associei-o inicialmente à campainha da porta. Percebendo que o som se repetia, sempre igual, e a intervalos regulares, tive a pista para chegar ao seu significado exato: era o telefone que estava tocando.

E assim fazemos o dia todo, a vida toda. A essa atividade de atribuir significados podemos dar o nome deleitura. A leitura; nesse sentido, passa a ser uma atividade bastante ampla: é efetuada toda vez que "lemos" um significado em algum acontecimento, alguma atitude, algum texto escrito, comportamento, quadro, mapa e até, por exemplo, nas gracinhas de um cachorro. A tudo isso podemos chamar de leitura do mundo. E, para que possamos fazer uma leitura adequada do mundo à nossa volta, é preciso saber observá-lo, recolhendo informações dos mais variados tipos.

Mas voltemos à história inicial. Ao sentir o cheiro, tive uma informação olfativa. Ao ver o feijão queimado grudado na panela, tive uma informação visual. Com relação ao telefone, tive uma informação auditiva. Aoligar cada informação às minhas experiências anteriores, cheguei ao significado dos acontecimentos. Por exemplo, como já havia sentido antes o cheiro de feijão queimado, identifiquei-o mesmo antes de olhar a panela.

Assim, precisamos estar atentos a tudo o que acontece à nossa volta e saber que todos os nossos sentidos (olfato, visão, paladar, audição, tato e a cinestesia, isto é, a capacidade de sentir o espaço através dos nossos movimentos) estão constantemente nos fornecendo inúmeras informações a respeito do mundo. Basta que prestemos atenção a elas.

Neste ponto, podemos ampliar, também, o conceito de texto: em latim, texto significa ''tecido'' e pode seja entendido como qualquer significado tecido ou articulado através de uma linguagem determinada. Assim, por exemplo, um quadro pode ser um texto, pois tem um significado articulado através da linguagem da pintura(linguagem pictórica). Um filme, além do texto verbal dos diálogos, apresenta um texto visual, constituído pelas imagens que se sucedem na tela. O mesmo acontece na televisão. Quantas vezes "lemos", isto é, damos um significado às imagens que vemos na "telinha" mesmo que não estejamos ouvindo o som?

No entanto, precisamos lembrar que essa tarefa de leitura, de atribuição de significados depende da vivência de cada leitor, porque é essa vivência que faz cada um de nós observar o mundo de forma diferente dos outros. Toda leitura depende de nossas experiências, idade, sexo, país e época em que vivemos, classe social a que pertencemos, enfim, de nossa história de vida.

Vamos considerar, por exemplo, apenas os objetos presentes em nossa vida diária, para poder entender melhor como o significado se modifica de acordo com a situação individual de cada leitor. Examinemos o caso do leite. Para as crianças que moram na cidade, o leite chega em embalagem de plástico, pasteurizado, pronto para o consumo imediato. Para as crianças da área rural, no entanto, o leite é associado à vaca que o produz, ao bezerro que dele se alimenta, ao trabalho de quem o tira, à presença de grande quantidade de nata, à necessidade de ser fervido para não estragar, e assim por diante. Esses diferentes significados atribuídos ao mesmo objeto — o leite — são fruto de experiências de vida diversas entre si.

Concluindo, todos nós, alfabetizados ou não, precisamos aprender a observar o mundo ao nosso redor, aprender a estar constantemente indagando: o que isto significa? o que quer dizer?, pois é nesse momento que estamos aprendendo a ler.
Aprendendo a ler um texto escrito

Trataremos, agora, apenas da leitura de textos verbais, que são os mais frequentes na vida escolar. Mais adiante, pretendo discutir a leitura de textos não-verbais, que, pela variedade de linguagens utilizadas, precisarão ser examinados caso a caso.

Os textos verbais, isto é, os textos que utilizam a palavra, incluem desde os livros e as apostilas usados em sala de aula, os artigos de jornal e de revista, os romances, os contos, as poesias, os artigos científicos, as letras de música, até a parte falada de um filme, de uma propaganda, de um programa de televisão. Portanto, abrangem tanto os textos de ficção quanto os de não-ficção. A estes últimos damos o nome de textos referenciais, pois fazem referência ao contexto ou ao mundo que nos cerca e englobam, por exemplo, as descrições de lugares, de comportamentos e de aparelhos (um texto sobre o aparelho digestivo, sobre a vegetação tropical, sobre o funcionamento de um computador, e assim por diante).

Da mesma forma que existem diferentes tipos de texto, existem diferentes tipos de leitura desses textos. Cada tipo de leitura vai atender a um objetivo diferente. Às vezes lemos para nos divertir, às vezes, para estudar.

Vejamos, então, a seguir os dois tipos de leitura que podemos fazer de um texto verbal escrito: o emocional e o racional.
Leitura emocional

É a leitura subjetiva, que nos empolga, liberando emoções e dando asas à nossa fantasia. Entregamo-nos de corpo e alma ao universo criado pelo autor, seja ele imaginário ou real, viajando no tempo e no espaço, experimentando prazer ou angústia. Nós nos colocamos no lugar do narrador ou de alguma personagem, na situação em que esta se encontra, e nos solidarizamos com seus sentimentos e atitudes. Durante esse processo de identificação, participamos da vida afetiva alheia e liberamos emoções que, muitas vezes, não nos permitimos ter na vida real. É o que acontece quando lemos um romance interessante ou assistimos a uma novela na TV.

Nesse tipo de leitura, o único critério de avaliação usado é o do gosto: gostamos ou não de um texto, dependendo de motivos pessoais ou de características do texto que não são definidas.

Durante o processo da leitura emocional, algo acontece ao leitor, que sofre, se angustia e se alegra com as situações apresentadas no texto. Tudo isso faz com que o leitor possa se distrair. Mas distrair-se, escapar da realidade imediata, não significa; necessariamente, fugir, alienar-se, ou seja, negar-se a viver os problemas do dia-a-dia e a solucioná-los. Mesmo o texto no qual nos jogamos emocionalmente pode, nos intervalos da leitura ou ao seu final, facilitar o estabelecimento de relações entre a nossa vivência, o nosso mundo e aquele mostrado no texto. Ao fazer isso, estaremos não só atribuindo significados ao texto lido, mas, também, à nossa vida e à nossa realidade. Estaremos, então, fazendo uma dupla leitura: a do texto e a da nossa própria realidade.
Leitura racional

Esse tipo de leitura exige uma compreensão mais abrangente do texto e mobiliza, além do sentimento, as capacidades racionais do leitor, como, por exemplo, a capacidade de analisar o texto, separar suas partes, estabelecer relações entre elas e outros textos, sintetizar as ideias do autor etc.

Nesse nível, estabelecemos um diálogo com o texto, fazendo perguntas que nos levem a compreender sua forma de construção e seus significados mais profundos. Os textos, em geral, não são construções transparentes, não nos entregam totalmente os seus significados logo numa primeira leitura. Temos, na verdade, de conquistar o texto, respeitando suas características próprias que o fazem diferente dos demais.

Voltemos, agora, à história com que iniciamos este artigo. Façamos algumas perguntas sobre sua forma de construção. Em que tempo de verbo está escrita? Em que pessoa? Há um narrador? É uma descrição, uma narração, um diálogo dramático? É prosa ou poesia?

Vemos que é um texto em prosa, escrito na primeira pessoa do singular, no presente e no qual um narrador conta várias coisas.

E que coisas são essas? A vontade de escrever um livro e as dificuldades que encontra, entre afazeres profissionais e domésticos, para sentar e concretizar seu desejo.

Podemos nos dar por satisfeitos com essa leitura. Mas será que o texto não nos conta mais nada? Quem é o narrador? É um professor, pois tem de dar conta de notas, reuniões, recuperação, além da preparação das festas de Natal. E que situação o narrador está vivendo no momento? Está em férias, sem ter mais nenhuma daquelas obrigações profissionais. E, em férias, está escrevendo. Não é estranho que as férias signifiquem um outro momento de trabalho? Escrever também é um trabalho, prazeroso, realizador, mas, mesmo assim, um trabalho. Só que, ao lado deste, aparecem outros trabalhos, indispensáveis: fazer a comida, tomar conta dos filhos. Assim, começamos a perceber as dificuldades da homem e da mulher que trabalha fora de casa: na verdade, têm dupla jornada de trabalho, uma em casa, outra no emprego. Começamos a perceber as dificuldades dos professores: além de profissionais, são também mulheres, esposas, mães, donas de casa, filhas e também isso tudo, mas em referência ao sexo masculino. O nosso olhar se modifica, pois passamos a encará-los não mais solidificadas em um papel, mas como pessoas humanas, com várias dimensões, várias dificuldades e várias formas de realização.

Vemos, portanto, que essa historinha, aparentemente tão simples, tem outros significados mais escondidos. Podemos, então, dizer que a leitura racional de um texto é uma forma de recriar esse texto, visando a sua compreensão mais profunda. A recriação é feita a partir das perguntas que fazemos ao texto. E, como as perguntas são nossas, estamos, nós, leitores, tendo um papel ativo nessa recriação, nessa leitura, nessa atribuição de significados que estão latentes no texto mas não totalmente à mostra.

A leitura racional comporta, assim, uma subdivisão em níveis, que constituem etapas de aprofundamento da interpretação: denotação, interpretação, crítica e problematização. É como se entrássemos num rodamoinho e fôssemos dando voltas, cada vez mais profundas.

2 comentários:

Eloah disse...

Querida adorei teu texto!Somos todos filósofos quando tentamos compreender o nosso mundo.E não é isto que fazemos todo tempo?
Parabéns filosofa! Bjs Eloah

Aline Carla Rodrigues disse...

Saudades minha poetisa preferida! Beijos.

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