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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

OS ANTIGOS ASTRÔNOMOS DE TIMBUKTU



Escondida no extremo meridional do Saara encontramos a lendária cidade de Timbuktu, guardiã de milhares de manuscritos científicos antigos que prometem mudar o modo como olhamos para a história da astronomia. Depois de sobreviverem durante séculos à destruição e pilhagem, o perigo está agora na ponta das metralhadoras Kalashnikov, seguradas por fundamentalistas religiosos.

© Library of Congress...

Fundada há quase 900 anos, por nómadas tuaregues, no Norte do actual Mali, Timbuktu acabou por se tornar num dos principais entrepostos comerciais para as caravanas que atravessavam o deserto do Saara, carregadas de ouro, sal, marfim e escravos. Entretanto, e ao longo das rotas comerciais que percorriam, também viajaram eruditos, académicos e estudiosos, todos eles munidos de livros, manuscritos e muitas ideias. O objectivo que os unia era o de trocar entre si os conhecimentos que traziam.

Não tardou que inúmeras bibliotecas prosperassem pela cidade, com homens dedicados ao intricado processo de copiar à mão os livros que os viajantes traziam. Segundo algumas estimativas, o total de livros que a cidade chegou a acomodar foi um dos maiores que até então existiu, apenas superado pelos da antiga Biblioteca de Alexandria.

Deste modo, e antes de o Renascimento deixar a sua marca na Europa, Timbuktu conseguiu ganhar renome, no mundo islâmico, como um dos grandes epicentros de conhecimento científico e de estudos religiosos. Tanto assim foi que, já no século XII, foram aí criadas três universidades de prestígio e cerca de 180 escolas corânicas. Só a principal universidade, durante o seu período de apogeu, chegou a acolher cerca de 25 mil estudantes, de origem africana ou árabe.

Ouro, conhecimento e espiritualismo. Tudo isto, combinado entre si, deu origem, no século XV, a uma efervescência comercial, cultural e intelectual sem paralelo na região, colocando Timbuktu ao nível de algumas das grandes cidades da Europa ou Médio Oriente.


© Library of Congress.

Mas a prosperidade acabou por ter um fim. Em 1591, um exército de tropas marroquinas, sob a liderança do paxá Mahmud ibn Zarqun, invadiu e pilhou Timbuktu, estripando-a de todas as suas riquezas. Só que o desastre não se ficou por aqui. As bibliotecas, onde estava a maior parte dos livros, acumulados ao longo de séculos, foram reduzidas a cinzas e apenas uma pequena parte do espólio se salvou. Os eruditos e os académicos que resistiram ao invasor foram chacinados e os sobreviventes deportados para as cidades de Fez e Marraquexe, para ficar ao serviço do paxá marroquino.

Económica e intelectualmente arruinada, Timbuktu entrou paulatinamente em declínio, até cair no esquecimento. Em finais do século XIX foi colonizada pelos franceses, ficando em 1960 sob influência do recém-independente Mali. Longe vão os tempos em que uma fila indiana de camelos, carregados de produtos e riquezas, fluíam incessantemente pela cidade.


© Library of Congress.

No total, estima-se que tenham sobrevivido cerca de 700 mil documentos, estando eles nas bibliotecas privadas de algumas famílias ou guardados na grande biblioteca pública de Timbuktu.

Este espólio foi um dos primeiros a ser inscrito no Programa Memória do Mundo, da UNESCO, com o objectivo de identificar e preservar documentos e arquivos de grande valor histórico. Em 1998, a cidade acabou mesmo por ser reconhecida como Património Mundial da Humanidade.

Fez-se ciência na África Subsaariana

Antes de se começar a estudar os manuscritos de Timbuktu, quase ninguém acreditava que a África Subsaariana tivesse estado, alguma vez, associada ao conhecimento astronómico que brotou, ao longo de milénios, em lugares como a antiga Mesopotâmia, a Índia, a China ou então nas cidades da Grécia Antiga. No Médio Oriente, entre os séculos VIII e XVI, os académicos islâmicos foram fortemente influenciados pelos textos gregos e pelas investigações desenvolvidas pelos cientistas do mundo árabe. O conhecimento aqui produzido, assim como os textos traduzidos do grego para o árabe, acabaram por dar aos cientistas europeus do Renascimento as bases de que tanto necessitavam para novos e revolucionários conhecimentos – incluindo a descoberta de que a Terra orbita o Sol e não o contrário –, abrindo as portas para uma nova forma de ver o Cosmos.


© Library of Congress.

Em 2006, uma equipa composta por investigadores da Universidade da Cidade do Cabo (África do Sul) e da Universidade de Bamako (Mali) deu início a um projecto que tentou desmistificar a percepção (ocidental) de que as civilizações a sul do Saara nada construíram em termos de conhecimento científico. O objectivo passou por traduzir e analisar o conteúdo científico dos manuscritos de Timbuktu.

Ao que tudo indica, os estudiosos e os intelectuais da antiga cidade conseguiram criar todo um conjunto de conhecimentos próprios, no campo da astronomia. E isto sem que tivessem estabelecido qualquer contacto com o desenvolvimento científico que entretanto desabrochava na Europa renascentista. A base para algumas das investigações, contudo, residia ainda nos antigos textos gregos, pelo que os modelos utilizados ainda tinham a Terra como centro do Universo. Mesmo assim, e em alguns dos manuscritos, datados de há mais de 600 anos, podemos encontrar diversos e belíssimos diagramas que nos mostram as órbitas dos planetas, os quais só puderam ser desenhados através de complexos cálculos matemáticos. Alguns fenómenos astronómicos, como é o caso de uma chuva de meteoritos em 1583, encontram-se igualmente descritos.


© Library of Congress.

Mas a religiosidade também tinha o seu papel como fonte de saber e descoberta. Para onde tinham os crentes de se virar caso quisessem contemplar Meca durante as suas orações? Para que lado deveriam estar orientadas as suas mesquitas? A distância entre Timbuktu e a cidade santa do Islão é enorme, pelo que a tarefa obrigou ao desenvolvimento e utilização de diversos algoritmos e instrumentos, capazes de estabelecer as localizações dos dois lugares. A par disto, conseguiram também determinar quais os períodos exactos do dia em que deveriam ser feitas as orações. Neste caso – e uma vez que os relógios que hoje em dia usamos estavam muito longe de serem inventados –, o uso da trigonometria foi fundamental, permitindo descobrir a que período do dia correspondia determinada posição do Sol no céu.

Para os mais esotéricos, havia ainda o contributo para as predições astrológicas. “O conhecimento sobre as movimentações dos planetas, a importância de prever onde eles iriam estar e onde estavam naquele momento, foi motivada pela astrologia”, referiu na altura o investigador Brian Warner, da Universidade da Cidade do Cabo, à revista New Scientist. Esta necessidade levou à construção de observatórios astronómicos na cidade e à compilação de muitos livros dedicados à astrologia.


© Wikipedia, manuscritos de astronomia e matemática, Timbuktu.

Astronomia, botânica, medicina, biologia, química, matemática, climatologia, óptica, geografia, tratados políticos, jurisprudência e até astrologia. As áreas sobre os quais versam os antigos textos são várias. Mas os que se referem à astronomia são particularmente fascinantes, motivo pelo qual se coloca a questão sobre se não é legítimo inserir o nome de Timbuktu na história da ciência e da astronomia. Segundo o astrofísico Thebe Medupe, também da mesma universidade, “uma das razões para os africanos subsaarianos estarem sub-representados na ciência é porque não se revêem nos livros de ciência que lêem”. Um argumento forte e que deu alento à tarefa (nada fácil) de tradução e análise dos milhares de textos que existem.

O perigo vem agora do fundamentalismo

Escritos em delicadas folhas de papel, o estado de conservação dos textos deteriorou-se ao longo dos séculos devido às flutuações climatéricas, à humidade, ao pó e aos grãos de areia. Algo perfeitamente normal tendo em conta que se tem como companhia, ali mesmo ao lado, o Saara. Neste momento, o mais importante é manter os documentos no estado em que se encontram, para mais tarde serem estudados.


© Wikipedia, manuscritos de astronomia - tabelas, Timbuktu.

Contudo, e nos últimos anos, os manuscritos estão à mercê de uma nova força destruidora: o fundamentalismo religioso. A ameaça é tão séria que a UNESCO colocou a cidade, em 2012, na lista negra do Património Mundial da Humanidade em Perigo.

Muitos dos documentos, que ainda estão em Timbuktu, mantiveram-se escondidos em cavernas no deserto ou enterrados debaixo de algumas casas, num esforço, que tem durado várias gerações, para as proteger dos invasores marroquinos e europeus que por ali passaram ou de outros potenciais perigos. A tarefa tem ficado a cargo de algumas famílias da cidade, numa devoção titânica destinada a preservá-los para o futuro. E até agora, pode-se dizer que têm razão para desconfiar do futuro.


Timbuktu, uma cidade exótica que figura na lista da UNESCO como Património Mundial da Humanidade (UNESCO, F. Bandarin).

Em Abril de 2012, o grupo rebelde e islâmico Ansar Dine tomou de assalto Timbuktu. A acção de conquista ocorreu depois de vários meses de convulsão política, com o Norte do Mali, dominado pelos tuaregues, a pedir a secessão. O problema é que este grupo independentista, armado de metralhadoras Kalashnikov , decidiu seguir à regra uma versão mais austera do movimento Salafista, ligado ao Islão. O que significa que não são muito dados à tolerância religiosa e cultural.

Um dos resultados foi a destruição dos mausoléus de diversos santos, muitos deles sob proteção da UNESCO. O motivo para a destruição, segundo o Ansar Dine? A idolatria.


A segurança dos manuscritos poderá estar em risco, o que levou as autoridades culturais do Mali a lançarem um alerta a todos os donos de colecções privadas, no sentido de esconderem os documentos. Por agora, os rebeldes que controlam a cidade tentam sossegar a população, afirmando que não têm intenção de destruir os textos antigos, incluindo as dezenas de milhares de exemplares que se encontram na biblioteca principal da cidade. De facto, essa pode ser a intenção, embora se suspeite de um outro intuito: o de vender os manuscritos a compradores do exterior, de modo a obter dinheiro que sustente a luta armada dos rebeldes.

E dinheiro é mesmo aquilo que mais escasseia nesta região. O Mali é um dos países mais pobres do Mundo, com o actual conflito a agravar a situação. A falta de condições que permitam preservar os manuscritos agudiza-se a cada dia que passa. Mas em pior situação está a população. Com o caos e a miséria instalados, inclusive em Timbuktu, são os próprios donos dos manuscritos, desgastados por uma luta diária pela sobrevivência, que já pensam em vendê-los.

Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2013/01/os_antigos_astronomos_de_timbuktu.html#ixzz2JWMZ55fP

2 comentários:

Sonia Salim disse...

Que postagem interessante, Aline. Trabalho minucioso o deles na conservação dos manuscritos. E também poucos recursos para manter a história viva.

Grata por trazer até nós a pesquisa.

Abraços!

Sonia Salim

Aline Carla Rodrigues disse...

Olá, amiga Sônia Salim!
Muitas pessoas não entendem, mas o TRIBARTE é minha fonte de pesquisa, por isso tudo que é interessante a minha "metamorfose vida" é postado aqui.
Sempre que preciso é só entrar em minha caixa de pesquisa, e está lá para reler.
Obrigada por reconhecer a pesquisa de outras fontes também como acesso de informação. Beijos, Aline Carla.

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