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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Elsa Schiparelli: Surrealismo x Moda


“Uma vez que a maioria das mulheres não se
  conhece, deveriam procurar conhecer-se”
 Elsa Schiaparelli
O primeiro de seus “Dez Mandamentos para a Mulher”



     Elsa Schiparelli, estilista francesa nascida na Itália (1890-1973), recebeu e disseminou grande influência do Movimento Surrealista . Data do início da década de 20 (do século 20) sua amizade com artistas dadaístas e surrealistas como Francis Picabia, Man Ray, Marcel Duchamp e Tristan Tzara(1). Embora Salvador Dali tenha rompido com o Movimento, as peças produzidas em função de sua pareceria com Schiaparelli carreagavam uma inequívoca marca surrealista . Passeando entre partes do corpo humano, crustáceos e insetos, Elsa realizou uma fusão entre o catálogo de simbolismos surrealistas e o mundo da moda da alta costuma .
     Na Exposição Internacional de Paris em 1937, a mesma onde os nazistas de Hitler (e os soviéticos de Stalin e os facistas de Mussolini) mostravam ao mundo aquilo que acreditavam ser a estética do homem do futuro, Elsa apresentou uma provocação . Quando o assunto é o corpo humano, um dos temas fortes no Surrealismo é o olho. Schiaparelli montou um pequeno campo florido entre duas árvores artificiais. Deitou um manequim nu, segurando um punhado de flôres, ladeado por um vestido suspenso por uma linha, e que tinha olhos estampados(2). Alguém deixou um bilhete de condolências para o manequin – seria uma nazista ? Até que ponto não somos todos nazistas quando se trata do novo, do inesperado ?
                                                 
     Foi como se o vestido estivesse olhando com olhos humanos para o manequim . Estamos acostumados a pensar em nossas roupas como objetos inanimados, mas curiosamente eles adquirem vida quando pintamos neles partes do rosto humano . Da mesma forma o manequim, ainda que reproduza todo o corpo humano, por ser desprovido de um rosto parece estranhamente mais próximo do reino dos objetos. Schiparelli mistura olho com temas celestiais em sua Coleção Astrologia de 1938 . Com Os Olhos de Elsa, Yves Saint Laurent homenageia Schiaparelli em 1980, a quem ele vê como grande divulgadora da invenção surrealista no mundo da moda.


     Outro tema do corpo humano muito caro ao Surrealismo é o lábio, que era visto como um símbolo de voluptuosidade . Schiaparelli também incorporou lábios em suas criações . Ela acreditava que os lábios eram carregados de aspectos eróticos e maliciosos(3). Mas o máximo da beleza para Elsa era Mae West, a famosa atriz de hollywood, em roupas vitorianas . Ao contrário de Salvador Dali, que homenageou os lábios de Mae West, foi no corpo da atriz, com seu formato de ampulheta, que Elsa se fixou como modelo para o frasco do perfume Shocking .
     As mãos não foram esquecidas . Em 1938 Elsa problematiza a relação entre a mão e a luva. É como uma mão que adquire uma segunda pele,  uma  relação  que  oscila  entre  o elegante  e  o sinistro(4).   Ela colocou unhas feitas de pele de cobra pintadas de vermelho nas pontas dos dedos de uma luva de veludo preto . Desta forma, a segunda pele pode ainda ser acrescida de mais dois elementos, a cor da luva e os materiais aderidos a ela . A idéia chama atenção para uma associação entre feminilidade e animalidade, tanto do ponto de vista positivo quanto do negativo .
     Baseada num desenho de Jean Cocteau (inclusive assinado por ele), Schiaparelli cria um casaco em 1937. A mulher do desenho estica suas mãos para apertar o cinto que fecharia a peça(5). O cabelo da figura cai sobre um dos braços do corpete . Da forma que o desenho está disposto, Schiaparelli pretendeu criar uma discordância entre a figura e a usuária da roupa, estabelecendo uma espécie de duplo da pessoa que está dentro com a pessoa que está fora da roupa – ainda que aquela que está fora esteja ajustando a roupa no corpo de quem está dentro .
                              
     A chave do procedimento surrealista é o deslocamento. Quando um objeto é deslocado de sua função e de seu meio, ocorrem variações em relação à associação original que impunha um sentido para ser identificado por quem estiver interessado . Desta maneira, estabelece-se uma contradição entre o reconhecimento costumeiro e sua nova definição . O Chapéu Sapato de Schiaparelli, trás o pé para a cabeça . Na verdade, foi Salvador Dali que desenhou a idéia para Schiaparelli em 1937(6). Elsa desenvolveu a peça, que então foi usada por Gala, a esposa de Dali . Tudo partiu de uma fotografia que mostrava Dali colocando na cabeça um sapato de Gala, em 1932 numa brincadeira. Em 1938 Elsa fez novamente, desta vez desenhou um chapéu com um ninho de galinha e outro no formato de cortador de carne de carneiro .
                    
      Enquanto isso, em 1936 Schiaparelli segue outra trilha aberta por Salvador Dali. Seu Casaco Mesa trás para tecido uma imagem que Dali colocou em pinturas e esculturas. Se Dali realizou A Venus de Miilo com Gavetas, Elsa desenhou o corpo enquanto escritório, os bolsos enquanto gavetas e a vestimenta enquanto mobília. Nesta peça, porém, Schiaparelli distanciou-se das interpretações atribuídas às gavetas por Dali . Para ele, a imagem das gavetas aglutina dois temas: a mulher como objeto e a penetração erótica da figura . Elsa cria um casaco conservador, mais associado ao mobiliário que ao erotismo da nudez (nas obras de Dali, as gavetas estão em corpos nus). Os botões são associados a puxadores de gavetas.
                              
     Em 1936, Salvador Dali pinta Duas Jovens Mulheres Surrealistas Segurando em seus Braços as Peles de uma Orquestra. Numa paisagem surrealista, três mulheres rodeiam instrumentos musicais moles – como os relógios moles do famoso quadro A Persistência da Memória . Um trombone está no chão e não parece mole como os outros dois instrumentos que estão nas mãos de duas mulheres, enquanto uma terceira está de mãos vazias e tem um braço levantado . Ela está no centro da pintura e usa um vestido rasgado, como que revelando seu corpo ou, sugerindo que os rasgos estão no próprio corpo .
                              
     Outra colaboração com Salvador Dali foi o Vestido Rasgo-Ilusão . Em 1937 os dois criaram um vestido com estampas simulando rasgos, acompanhado de uma capa com rasgos reais – criando uma fricção entre o percebido e o cognitivo(7). A idéia era criar o horror de uma primeira apreensão da beleza, onde a capa rasgada não permitiria ao vestido se confundir com mera decoração corporal . O rasgo questiona o papel da roupa em esconder e revelar o corpo . Na época de seu lançamento a repressão dos regimes facistas já se fazia sentir, o lançamento de um vestido rasgado para ser utilizado nos salões de alta classe, era uma visão com fortes implicações políticas. Levando ou não em consideração estas implicações, o gesto de Dali e Schiaparelli se extendeu à moda das roupas rasgadas partir da década de 70 e com os punks da década de 80(8).
     Os seres do mar são muito presentes no vocabulário simbólico surrealista, quem não se lembra do peixe na capa do primeiro número de A Revolução Surrealista . Salvador Dali tinha uma fixação com lagostas e este foi o tema da próxima cooperação com Schiaparelli. Em 1937 puseram uma lagosta rodeada por salsa num vestido para noite . Digno de nota é o fato de que a lagosta muda de cor depois de passar do mar à mesa, ela passa do marron esverdeado para o vermelho – e é esta a cor da lagosta no vestido . O crustáceo foi colocado numa posição que fica entre o tapa-sexo e o pênis . Dali associa este animal ao tapa-sexo, mas talvez o mais importante neste vestido seja uma alusão à nudez da genitália feminina por baixo das roupas(9). Do mar ao céu, a borboleta é o símbolo surrealista da metamorfose . Elsa utilizou as borboletas como algo mais que padrões decorativos, elas irrompem da roupa como que anunciando sua nova vida .
                                        



(1)MARTIN, Richard. Fashion and Surrealism. New York: Thames & Hudson, 1987. P. 25
Fonte: Delicato Senses

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